Não Seja Chato
Olá, tudo bem?
Qual tipo de pessoa que você mais admira? De minha parte, é o inteligente que não é esnobe. É excepcional conversar com uma pessoa inteligente, daquelas que pegam no ar o que você apenas pensou e sequer verbalizou. Que é capaz de conversar sobre qualquer assunto, não porque é PHD, mas porque se informa, e sabe digerir o que ouviu, leu, assistiu.
Inteligência é privilégio. Muitos têm cultura, acesso a bons colégios e livros, mas não têm inteligência. Estudam, mas não utilizam o aprendizado. Não conseguem. Decoram o conteúdo e não são capazes de dissertar sobre quase nada. Ou falam abobrinhas que não têm conexão com o real sentido. Não compreendem o que leem e tantas vezes querem enfiar goela abaixo a sua compreensão errônea. Distorcem.
Se esse tipo de pessoa tem alguma influência na sociedade, se é o tal “formador de opinião”, estamos lascados. Porque a visão equivocada é repassada, sem que haja contestação. Se alguém tenta, recebe a resposta: “Mas foi Fulano que disse!”, e a besteira do Fulano passa a ser verdade universal. Mesmo que seja exatamente o oposto do que deveria.
Conheço poucos intelectuais que não têm o ego maior do que o talento. Não que sejam ignorantes. São intelectuais. É fato. Mas são extremamente arrogantes e egóicos. Isso me cansa sobremaneira. Não tenho paciência. Percebo o nariz empinado, saio de fininho.
A arrogância é chata. O intelectual arrogante é chato. Não seja chato, por favor. Pior do que o ignorante chato é o intelectual chato. O ignorante talvez aceite o seu argumento. Reconsidere uma opinião. Mas o intelectual é tão cheio de si mesmo que não admite que não seja o dono da verdade. Que não seja colocado num pedestal e adorado.
Inteligente e simples. Difícil, mas a gente encontra.
Outro tipo de chato: o que quer ser engraçado o tempo inteiro. Você diz “bom dia”, e o chato retruca com uma frase idiota, que supostamente é uma piada. Você sorri forçado para não perder o amigo, ou então fecha a cara, e faz expressão de burro que não entendeu a piada do chato. Não é boa ideia. Porque o chato pode querer explicar a piada. O que seria uma simples chatice vira uma chatice incontrolável. Esse chato não vai descansar enquanto você não disser que entendeu e der uma risada de volta. Conselho de amiga: ria. Mesmo que seja um riso tímido. Vai economizar horas de chatice explicativa juramentada do chato.
Chato que cutuca. Ou chato que só sabe conversar segurando o seu braço. Talvez para você não sair correndo para bem longe dele. Detesto quem conversa cutucando. É como um ponto de exclamação gestual. Não basta falar. O chato quer ter certeza de que você prestou atenção. Cutucar é como escrever em CAPS LOCK. Não seja esse chato que cutuca ou que segura o braço dos outros. Uma boa desculpa para evitar é dizer: “distanciamento social, olha o virus!”
Chato que quer lhe ensinar a educar o seu filho. Você está parada numa esquina com o seu filho e o chato ao seu lado começa: “Passou protetor solar nele?” Se passei ou não, não é da conta do chato. Mas ele faz questão de se meter.
Outra situação bem chata. O chato vegano que quer porque quer que você desista de comer carne. Ele dá mil motivos para você comer aquele churrasco de melancia e o doce de jiló no lugar de uma bela picanha. “São maravilhosos e bons para a saúde”. Dane-se. Fique com o seu jiló. Eu quero comer carne.
Certa vez, postei no falecido Facebook a foto de uma carne sendo preparada para o churrasco. Um sujeito, que nunca vi na vida, mas pediu para adicioná-lo como “amigo”, escreveu nos comentários: “Criminosa!” Além de chato é maluco. Qual o crime? Quem deu intimidade? Eu hein. Ainda bem que deletei aquela chatice de Facebook.
Vegano é ainda mais chato do que vegetariano. Vegetariano aceita algumas liberdades poéticas sobre alimentação. Já o vegano é xiita. É chato demais. Quer comer samambaia? Coma. Quer viver de luz? Viva. Mas me deixa em paz com a ovelha derretendo na brasa. Com o contrafilé mal passado. Minha boca até salivou. Nem sou tão fanática por carne. Mas gosto.
Chato que dirige junto com o motorista. O chato está no banco do carona, mas reage a cada freada ou coloca a mão no painel a cada mudança de marcha. Tem o chato que freia junto, apertando o pé no piso do carro. Tem o chato GPS falante, que manda ligar o pisca pisca, que avisa do sinal que vai fechar, que aponta para a rua que você já está entrando. Chato copiloto. Você está atrás de outro carro e o chato manda: “Corta agora”. Mas você não quer cortar. Quando você decide cortar, o chato se encolhe no banco, como se fosse um ato perigosíssimo.
Chato no jogo de cartas. Você está jogando para se divertir e o chato fica tagarelando o jogo. Avisando a dupla dele sobre o que tem na mesa, sobre o que pode fazer, sobre o que não deve fazer. Chato que não sabe brincar, que quer fazer de um simples jogo uma visita a um cassino, na disputa de milhões de dólares. Chato demais.
Chato que viaja junto e pensa que, só porque sentou na poltrona ao seu lado, é o líder de uma excursão. E começa a explicar o procedimento do comissário, o que vão servir de lanche, como você deve agir ao descer, controla se você desligou o celular, tenta ler e ainda comenta o que você escreveu no celular, abre o jornal e faz questão de comentar até o horóscopo. Chatíssimo. Se o voo é curto ainda é possível aturar. Mas, se você vai para a China, num voo de 36 horas, ou se a viagem é de ônibus para qualquer lugar com mais de 100 metros de distância, sinto muito. Lamentável aturar o chato.
Excursão. Detesto. Mas às vezes é necessário. Você está num lugar que precisa de um guia. Ou é uma excursão de trabalho. É batata: surge o chato. O sujeito não sossega um minuto. Troca de lugar a todo instante, quer falar junto com o guia, explica junto com a explicação oficial, quer atrair a atenção para si. É chatonildo até dizer chega. Pensa que a excursão é um programa de auditório que ele tem de animar. E conta piada imbecil. Fala absurdos que ninguém em sã consciência se atreve. Acha que é intimo só porque está há dois minutos ao seu lado. Chato que não se manca.
Tem uma frase do Mario Quintana de que gosto muito: “Há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e os amigos, que são os nossos chatos prediletos.”
Se você é meu amigo e achou esse texto chato, muito obrigada. Significa que eu sou a sua chata de estimação. Sinal de que ao menos você me atura, já que leu até o ponto final. Não me diga que concorda. Seria chato ouvir que sou chata. Ature um chato, mas não seja um chato. Meu chatinho de estimação é o meu filho. Portanto, as vagas de chato comigo estão esgotadas.
Um beijo, Letícia.
Admirável. Como de praxe.
Há uma trilha que muito admiro na suas publicações que sigo por aqui: uma defesa ardente do "viver e deixar viver". Afinal, a gente raramente sabe quem tem razão. E sei que vc concordará que até o chato pode ter razão!