Não Levo Nem a Poeira
Olá, tudo bem?
Ao deixar o Brasil rumo a Portugal, a princesa Carlota Joaquina de Bourbon, mãe de Dom Pedro I, disse: "Não corram, ou vão pensar que estamos fugindo!" Então, ela entrou no navio, tirou os sapatos, sacudiu-os no ar, e bradou: "Deste lugar, não levo nem a poeira!"
Há lugares que visitamos, conhecemos, adoramos cada instante que nele passamos. Vamos embora e fica no coração a vontade de voltar sempre que possível. Parece que escrevemos parte importante de nossa felicidade no lugar. Que entra para o cantinho da memória afetiva e vira refúgio quando precisamos resgatar momentos bons para nos fazerem lembrar de que a vida é maravilhosa por causa de lugares como aqueles e dos momentos ali vividos.
Felicidade não é rir o dia inteiro, todos os dias. Felicidade são momentos especiais costurados numa colcha de retalhos. Como num quebra cabeças em que cada peça é um momento feliz e, juntos, contam a nossa vida. Numa arte patchwork.
E há o oposto. Lugares onde não fomos felizes ou onde os momentos desagradáveis foram mais intensos do que os poucos momentos bons. Onde não há nada que nos dê vontade de guardar no coração. Nada que nos emocione ou nos encante. Nada que nos prenda. Nada que nos faça querer ficar, mas apenas fugir dali, e muito menos dá vontade de voltar algum dia. É sair, fechar a porta, e jogar a chave fora. Sem olhar para trás.
Nenhum lugar é perfeito. Mas quando o lugar imperfeito é tão estressante que incomoda a nossa paz e torna o ar irrespirável, não há muito o que fazer além das malas e sair dali para nunca mais voltar. Nem para abastecer o carro numa viagem que passe por perto.
Quando o lugar vira referência de felicidade, a gente muda até o tom da voz para citá-lo. Cria um apelido fofo para se referir ao lugar. “Meu cantinho “, “meu paraíso “, meu refúgio “. Mas quando o lugar é detestável, estressa, ou traz lembranças ruins, de gente grosseira e hostil, no mínimo o chamamos de fim de mundo.
-O que vim fazer nesse fim de mundo?
Nesses momentos, lembro de Carlota Joaquina. E, ao ir embora desses pesadelos, penso: "Não corra, ou vão pensar que está fugindo!" Então, entro no meu navio imaginário, tiro os sapatos, sacudo-os no ar, e brado: "Deste lugar, não levo nem a poeira!"
Nem a poeira.
Um beijo, Leticia.