Meu Olhar é Nítido Como Um Girassol
Olá, tudo bem?
Ah, Fernando Pessoa… Sempre tão presente na minha vida.
Adoro viajar, conhecer cidades, recantos, culturas diferentes. Não vejo como despesa. É investimento em mim, na minha cultura e saúde emocional. Tem pessoas que adoram sair todos os finais de semana, beber, farrear, virar a noite em baladas. Nunca fui assim. Sou caseira. Guardo dinheiro e viajo. Não que eu não possa sair aos finais de semana. Posso. Mas não me atrai tanto quanto pegar uma estrada, entrar num aeroporto, ouvir o “apertem os cintos, vamos decolar”.
Dia desses, convidei o meu filho para viajar. “Mãe, eu já fui lá. Não preciso ir de novo”. Insisti. “Pensa bem. Você era pequeno, não lembra de detalhes, de lugares, de sabores que experimentamos. Viajar é legal”. Meu filho deu a resposta mais inteligente sobre viagem: “Tem de ser especial, mãe”.
Parei para refletir sobre o que ele me disse. E está coberto de razão. Qual a graça de ir sempre aos mesmos lugares? Especial é quando conhecemos o lugar com o qual tanto sonhamos. A segunda vez talvez não seja tão encantador, especial. Sim, a palavra é essa: especial.
Um lugar cheio de atrações sempre pode ter algo de especial. Mas e se vivemos algum momento divino naquele lugar? Como será voltar? Sem a mesma experiência, sem a mesma expectativa, sem o mesmo coração acelerado, sem o mesmo brilho no olhar, sem as pessoas que encontramos antes. Será decepcionante? Talvez não. Pode até ser melhor. O lugar é maravilhoso. Qual a chance de não ser ótimo ir até lá? Mas não será mais “aquele lugar” onde algo divino aconteceu. Será a mais recente viagem, que talvez tenha muitas risadas e momentos bons. Mas especial… Com aquele toque de experiência sublime nem sempre será.
Um exemplo. Adoro Nova York e já visitei a cidade sozinha, com os meus pais, e até com o meu filho. Não é novidade. Mas as duas recentes idas à cidade foram divinas. Preparei a minha exposição na ONU. Visitei pessoas incríveis. Discursei naquele lugar tão importante, fui o centro das atenções. Foi um momento especial, divino, na minha vida. Voltar a Nova York como turista será muito diferente por melhor que seja a viagem e sempre é ótimo ir a Manhattan. Bater perna nas ruas, olhar vitrines, rever lugares que me encantam nos filmes, procurar endereços onde séries que assisto são gravadas, assistir aos shows. Mas aquele momento que vivi em 2022 não existirá mais.
Meu filho deve ter as memórias dele sobre os lugares que visitou. Mesmo pequeno a gente sempre guarda algo… Especial. Eu tenho memórias muito fortes de momentos de passeios da minha infância. Também guardo alegrias, traumas, perdas, diversão. São nítidos na minha mente. Talvez sejam nítidos na mente dele, que tem 14 anos.
Senti uma emoção muito especial em novembro de 2022 quando voltei à Europa após 24 anos sem pisar naquelas cidades. Não sei o motivo, mas nas férias, sempre optava pelos Estados Unidos. Ou elo Rio Grande do Sul. E a Europa foi se distanciando da minha vida. Então decidi voltar e o impacto foi como se fosse a primeira vez. Foi realmente especial, de eu me emocionar nos lugares.
Creio que meu filho quer emoção. Quer o “algo especial” de ter a certeza de que entrará para a memória afetiva, sensorial ou visual. Ir por ir não tem graça. Tem de gerar emoção, expectativa, fazer o coração acelerar. Vou ter de caprichar na esolha.
Na adolescência, não há lugar melhor e mais especial do que o quarto dele. Quer ir à rua? Não. Quer passear? Não. O quarto é o mundo dele. Tirá-lo dessa zona de conforto é necessário. Mas… Concordo. Tem de ser especial. Será. Prometo.
O mundo deve ser visto com o olhar curioso de uma criança que a tudo vê pela primeira vez, como escreveu Fernando Pessoa, no heterônimo Alberto Caeiro, no “Guardador de Rebanhos”.
“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender …
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar …
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar…”
Um beijo, Leticia.