Golden Globes & Demi Moore
Olá, tudo bem?
Desde a adolescência, acompanho as premiações do cinema e da televisão. Cito especificamente o Oscar e o Golden Globes, que considero as mais importantes premiações devido à quantidade de cineastas mundiais, estrelas, filmes icônicos, músicas eternas, bilheterias, e até decepções com prêmios injustos.
Muito antes de iniciar no ofício de escrever ficção, eu mergulhava nas histórias contadas nas telas. Via que ali estava o meu mundo. Talvez não visse de maneira nítida, com a certeza que nenhum adolescente tem, mas com a intuição da alma.
Tenho paixão por biografias e admiro o ator que consegue interpretar alguém que o mundo moderno conheceu ou ao menos teve notícias. Sempre haverá crítica destrutiva ou comparação injusta entre a realidade e a liberdade poética. Principalmente nos diálogos que nunca saberemos o que realmente foi dito numa determinada situação que o filme e a série descreveram. Só quem estava na hora, na cena revisitada, pode afirmar o que disse, se a memória colaborar.
Mas a ficção pela ficção também é importante. Histórias originais. No cinema e nas séries, eu prefiro os roteiros originais e não adaptados da vida real ou de livros. Criar uma história do zero é muito mais complexo do que simplesmente contar a vida de alguém que está documentada em jornais, livros, revistas ou contada pela própria pessoa. Como disse Einstein, “a criatividade é a inteligência se divertindo”.
Há muito se ouve, quase que num sussurro, quase que sem coragem de falar abertamente, numa “substância” que rejuvenesce as pessoas de maneira que nenhuma cirurgia consegue. Teorias da conspiração falam até em sequestro e maus tratos em crianças para se obter a tal “substância” que seria derivada do medo, do pavor, e se instalaria no sangue desses inocentes, e retirada para injetar nas pessoas que desejassem rejuvenescer. Monstruosidade pura.
Houve o caso da prisão do cantor e produtor P Diddy, com ainda poucos detalhes de suas festas horripilantes e orgias que supostamente incluíam menores de idade. Toda a história cresceu de maneira absurda, que a tal teoria da conspiração toma a forma de verdade. E, dependendo dos envolvidos, das informações concretas, e das conclusões após a investigação ganharem chão e robustez, o choque das “pessoas comuns” com o caso Diddy tomará proporções inenarráveis. Porque ele não está sozinho na monstruosidade e no crime.
Assisti ao filme “A Substância”, com Demi Moore. É colocado nas premiações como “comédia” ou “musical”. Essa gente só pode estar louca. É terror, monstruosidade, ápice da loucura humana na busca da juventude. Há cenas nojentas. Nudez. Não é comédia. E as poucas cenas de dança não fazem do filme um musical. O contexto é outro.
Assisti por curiosidade devido ao tema. Queria ver até onde Hollywood se aprofundaria na tal teoria da conspiração pois jogaria luz ao tema sussurrado e evidenciaria o envolvimento dos seus membros em supostos crimes e atos insanos para usar a “substância”. O timing do filme foi interessante, tema atual, roteiro original, várias estrelas rejuvenescendo absurdamente de uma hora para a outra. Mas coincidiu com a prisão de Diddy. Impossível não juntar ficção com vida real.
Demi Moore ficou famosa nos anos 80, 90, por papéis românticos, como no filme “Ghost”, em que perde num assalto o marido, interpretado por Patrick Swayze, e passa a conviver com o espírito dele até elucidar o crime, com a ajuda de uma médium picareta, Whoopi Goldberg, que o espírito utiliza para se comunicar com a amada. Demi fez outros filmes de grande bilheteria, mas de gosto duvidoso, como “Strip Tease” e “Proposta Indecente”. Também ganhou os holofotes por casar com outro astro, Bruce Willis.
Demi tecnicamente nunca foi considerada uma grande atriz. Era sempre descrita como símbolo de beleza, eterna juventude, e mais uma mocinha de filmes de sucesso. De uma hora para a outra, Demi desapareceu dos filmes. A carreira perdeu fôlego. Outras mocinhas tomaram o lugar que ela um dia ocupou. Audiovisual, ainda mais em Hollywood, é indústria. Na maioria das vezes, muito cruel.
Algumas contemporâneas de Demi passaram a interpretar naturalmente mulheres mais velhas. Demi não se encaixava na categoria “mães”, “avós”. Mesmo mulheres com aparência jovial interpretavam mães e avós em grandes filmes e séries. Menos Demi. A busca pela eterna juventude a prejudicou. Seu rosto surgia modificado a cada nova foto. Há dois anos, Demi surgiu esteticamente estranha. Inchada, com o rosto deformado, e sem os resquícios da beleza de tantos filmes. O fato de não ser considerada uma grande atriz contribuiu para o seu “apagamento” do cinema. Nos últimos meses, Demi voltou ao noticiário por causa da doença do ex-marido, Bruce, que sofre com demência.
Quando soube que Demi estrelava “A Substância”, fiquei mais interessada porque ela própria parecia ter feito uso de algo exótico para voltar a ter um rosto extremamente jovem. O inchaço do procedimento anterior desapareceu e Demi ficou com os traços mais suaves.
Na cerimônia do Golden Globes, de 2025, Demi recebeu a premiação de melhor atriz “de comédia ou musical” por “A Substância”. Na tela, Demi interpreta uma atriz e apresentadora que é demitida de maneira cruel da televisão, onde apresenta um show nos moldes de Olivia Newton-John e Jane Fonda, que, nos anos 80, investiram em programas de ginástica e aeróbica. A personagem é demitida por estar “velha”. Demi está belíssima na tela. A personagem entra em surto.
A personagem é contatada por um anônimo que lhe oferece uma substância que dará a juventude perdida. O filme segue com uma sequência de cenas horripilantes e assustadoras. Até nojentas do ponto de vista estético, como por exemplo quando o corpo nu de Demi é rasgado para sair de dentro dela uma nova criatura, que seria a sua versão mais jovem. O filme segue com a contrapartida: “Demi” deixa de existir para a sua versão jovem, com outro nome, ganhar a vida e o seu lugar na televisão. Os sentimentos da personagem vão do choque à vontade de se vingar. Tudo tem um preço e a personagem pagou caro demais. Sem chance de se arrepender da escolha que fez.
Demi foi surpreendida com o prêmio no Golden Globes e seu discurso é icônico para as mulheres. Demi conta que ouviu de vários produtores que sua carreira tinha terminado, que era apenas uma atriz Pop Corn, ou seja, de filmes fúteis que servem meramente para o público passar o tempo, comer pipoca, e sair do cinema sem levar nada na alma. Filmes irrelevantes, atriz irrelevante. Demi ouviu que ela nunca teria prestígio na profissão. Se disseram tamanha grosseria para Demi Moore, imagine o que dizem para as pobres mortais sem a fama e a beleza dela. E tal situação de “apagamento” começou quando Demi ainda estava no auge, como uma das estrelas mais bem pagas de Hollywood. Cada filme era pior do que o outro e menos relevante. Até Demi desaparecer das telas.
Demi disse ao pegar o prêmio: “Eu realmente não esperava isso. Estou em choque agora. Faço isso há muito tempo, mais de 45 anos, e esta é a primeira vez que ganho algo como atriz. Trinta anos atrás, um produtor me disse que eu era uma 'atriz pipoca'. Naquela época, eu fiz isso significar que isso não era algo que eu tinha permissão para ter. Eu podia fazer filmes que eram bem-sucedidos, que rendiam muito dinheiro, mas eu não podia ser reconhecida. Eu comprei, e acreditei nisso. Isso me corroeu ao longo do tempo, a ponto de eu pensar alguns anos atrás que talvez fosse isso. Talvez eu estivesse completa. Talvez eu tivesse feito o que deveria fazer. Quando eu estava em um momento meio ruim, esse roteiro mágico, ousado, corajoso, fora da caixa, absolutamente maluco, apareceu na minha mesa chamado ‘A Substância’. E o Universo me disse: ‘Você não terminou’.”
É o recado do Universo para todos nós, em especial para as mulheres, que todos os dias somos colocadas de lado seja por idade, pelas marcas do tempo, por crueldade, por posicionamento político. O Universo é quem manda. Deus no comando. Não o produtor, o colunista cruel, o dono da firma, o tuiteiro sacana, a vizinha invejosa, o falso amigo que torce pelo seu fracasso.
Não terminou. Nada termina até a cortina da vida se fechar. E se depender da nossa vontade, da nossa coragem, e da nossa persistência, sempre haverá uma porta se abrindo. Obrigada, Demi. Você falou por todas nós, mulheres.
Um beijo, Letícia.