Binge-Watching
Olá, tudo bem?
Eu amo séries. Volta e meia escrevo sobre o que assisto. Gosto de conversar sobre televisão e cinema. Não é à toa que escolhi ser escritora e autora de roteiros de televisão. Escrevi livros, novelas e séries. Mas, confesso, que enjoei de novelas. De escrever e de assistir.
Raros são as tramas, o arco narrativo, os textos, as personagens e o elenco que valem longos meses de fidelidade da audiência. Inclusive, em alguns casos, não entendo como são aprovadas pelas emissoras. Custam milhões e o resultado é pífio. De audiência e de crítica.
Há anos, eu assisto apenas às séries. Até para escrever são mais interessantes. Autor também enjoa da mesma trama todo santo dia. O que é o caso das novelas. E, se algum personagem ou trama é rejeitado, até para o autor torna-se difícil criar para aquele universo. Dependendo do ator fica complicado. Porque entra o status, o ego, a amizade, o salário. De uns tempos para cá, estou empolgada com o fantástico mundo do streaming. Que está mais para lanchonete fast-food do que para restaurante francês. Mas alimenta.
É como se eu saudasse: “O entretenimento que habita em mim saúda o entretenimento que habita em você”. E entretenimento tem de entreter. Não é obrigação educar, levar amplo conhecimento, fazer profundas reflexões sobre a humanidade, ou transformar você numa pessoa melhor. Quem cobra a oitava maravilha do mundo da indústria do entretenimento não entende o conceito de indústria e muito menos de entretenimento. Não quer dizer que o fast-food deva servir comida ruim só porque não é restaurante francês. Não haverá cliente. Mas o fast-food não é pretensioso. Sabe o que serve, para que serve, para quem serve, e o público entra para comprar o que sabe que tem na rede.
Sempre haverá quem diga que “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Valorizo a fotografia. Mas nada substitui o roteiro. A história contada. Seja ficção ou fato. A imagem pode ser impactante, chocante, divertida, insinuar situações, explicitar uma entrelinha, viralizar como meme, apoiar o texto. Mas, sem uma boa história, é como um quadro na parede. Registra um momento. Talvez o clímax. Mas não a origem, o desenvolvimento do fio narrativo, as nuances, os sentimentos, os perfis dos personagens envolvidos, o desfecho e a repercussão de cada situação.
Desde a infância, fico diante da televisão ou do notebook assistindo episódio a episódio das minhas séries preferidas. Antes, tinha de esperar longos dias por algum episódio. Meses até.
Atualmente, as produções de streaming são lançadas de uma vez. E, assim que consigo tempo, faço maratona. Em inglês, maratonar uma série significa to binge-watch it. A expressão pode também ser traduzida para construções como “assistir tudo de uma única vez”. Se você faz maratona, pode dizer que binge-watching. O termo curioso é relativamente recente. A palavra binge é normalmente utilizada para descrever ações que ocorrem de maneira excessiva, como comer, beber ou mesmo gastar dinheiro.
Lembro de uma reunião, com uma produtora, há quatro anos, e a determinação dos executivos estrangeiros era para criar e escrever séries de curta temporada, de oito a dez episódios. Estavam testando o novo formato. Geralmente de 30 minutos de arte. Para avaliar se seriam bem recebidas pela audiência, pela crítica e pelos investidores. Ninguém quer arriscar. Ainda mais a indústria do entretenimento. Se a série é boa, fica o gostinho de “quero mais”. E, se não deu certo, não é renovada. Sem grandes perdas.
Há ainda o estilo e o formato a serem adotados: docudrama, documentário, drama, roteiro original, baseado em literatura, baseado em fatos reais, ficção científica, live action, comédia, comédia romântica, infantil, adolescente, reality show, competição, besteirol puro e simples. E, a cada ano, surgem novas variantes.
Até para apresentar a série para a produtora o autor deve pensar se está no nicho certo. Uma produtora que só objetive um público-alvo, ou a modinha do momento, provavelmente não vai se interessar por um projeto cult que só a sua mãe adorou. Na indústria do entretenimento, ninguém está interessado se aquela é a obra da sua vida, o roteiro mais incrível que a sua mente brilhante já criou. O que é avaliado é se vende. Como dizia um ex-orientador de oficina de roteiro: “Não se iluda. Tratam o seu projeto como banana na feira. Só querem vender”. Falam muito em “furar a bolha” e conquistar novas audiências. Mas, raramente, arriscam dinheiro em projetos diferentões. E, se uma novidade deu certo, ninguém disfarça: haverá uma sequência de projetos parecidos. Não serão plágios na configuração de plágio como a imaginamos. Serão “para atender à demanda”, dirão.
Até o final dos anos 2000, era uma agonia ler sobre alguma novidade estrangeira que fazia sucesso, mas o Brasil ainda não a exibia. Tínhamos de esperar a tv aberta comprar a série ou a tv a cabo oferecer no menu. A tv a cabo não era tão popular. E custava caro. Com a internet, nós passamos a ter mais acesso às novidades estrangeiras.
Nos primórdios das redes sociais, havia grupos que ofereciam links para download de séries que não eram exibidas no Brasil. As conversas eram “já saiu a legenda?” Sim. Pirataria. Ninguém escapava. Ou como cliente gratuito dos downloads ou como testemunha. Era até inocente. Sem a cobrança da “cadê a sua ética?” Via colegas escritores e jornalistas pedindo legendas. Deveriam ser os primeiros a reclamar dos “cadê a legenda?” Duas réguas. Lembro de um autor famoso dizer: “É socialismo. Os americanos ganham muito mais na indústria, são ricos, e estamos democratizando os projetos”. Provavelmente, daria um chilique se fosse algum projeto dele.
A internet era encharcada de comentários imediatos como se fosse a novela da noite. Como se todos assistissem a série no mesmo sofá. Era muito divertido. A internet como assistente do entretenimento. Hoje, a internet é tão politizada e destila tanto ódio, que, quem comenta série para se divertir, ou desestressar, é chamado de alienado. Como se o mundo fosse desabar e a pessoa não tivesse o sagrado direito a descansar do trabalho, dos problemas e da vida real.
Cresci vendo Jeannie é Um Gênio, A Feiticeira, Daniel Boone, e a veterana National Kid nas reprises do horário do almoço. Ao longo dos anos, me encantei com Swat, Dallas, Melrose Place, Arquivo X, Sex And The City, Friends, Law and Order: Special Victims Unit, Mad Men, House of Cards, 30 Rock, Brothers and Sisters, Taken, CSI, Desperate Housewives, Ghost Whisperer, Medium, The Good Wife, Homeland, Grey’s Anatomy, The Crown, Inventing Anna, American Crime Story, The Handmaide’s Tale, Lost, Emily in Paris, Abbott Elementary, Ted Lasso, Sissi, Dix Pour Cent, Only Murders in The Building, La Brea. As séries que citei valem o binge-watching.
Tantas ideias geniais, roteiros bem escritos, personagens bem construídos, tramas que envolvem. Citei algumas, esqueci várias. Sou eclética. Para eu assistir a temporada, o primeiro episódio tem de me fisgar. Afinal é o cartão de visitas. O mais pensado. Algumas abandonei pelo caminho como Grey's. Gostava do elenco original. Os novatos. Na nona temporada, eram tantos estranhos e histórias forçadas que abri mão de Seattle.
E merecem a visita aos cenários e locações. Outro fator importante é a locação. Se a série é em Nova York ou Paris já tem metade da minha atenção. É entretenimento com charme e colírio para os meus olhos ansiosos por algum lugar encantador. A sensação é de que entramos no roteiro e estamos à espera de nossos conhecidos, amigos personagens, chegarem a qualquer instante. Ano passado, visitei a rua Perry, no Greenwich Village, em Nova York, onde fica o prédio do apartamento de Carrie Bradshaw, de Sex And The City e And Just Like That. As cenas passam diante dos olhos. Chego a ouvir os diálogos mais marcantes. É muito bom quando o entretenimento envolve e invade a vida da gente.
Um beijo, Letícia.